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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

abre-te cérebro!

“Anne-Marie fez-me sentar à sua frente, em minha cadeirinha; inclinou-se, baixou as pálpebras e adormeceu. Daquele rosto de estátua saiu uma voz de gesso. Perdi a cabeça: quem estava contando? O quê? E a quem? Minha mãe ausentara-se: nenhum sorriso, nenhum sinal de conivência, eu estava no exílio. Além disso, eu não reconhecia a sua linguagem. Onde é que arranjava aquela segurança? Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava. Dele saíam frases que me causavam medo: eram verdadeiras centopéias, formigavam de sílabas, letras, estiravam seus ditongos, faziam vibrar as consoantes duplas: cantantes, nasais, entrecortadas de pausas e suspiros, ricas em palavras desconhecidas, encantavam-se por si próprias (...) As palavras largavam a sua cor sobre as coisas, transformando as ações em ritos e os acontecimentos em cerimônias.” [As palavras, Jean-Paul Sartre]

Você já pensou que quando abrimos um livro e lemos algo em voz alta para alguém um universo inteiro se abre diante de seus sentidos? É como se disséssemos, tal qual o verso do poeta Arnaldo Antunes: “Abre-te cérebro!” E, então, ouvidos e mente se descortinam para a experiência da leitura a partir do outro – aquele que se dá a nós por sua voz. Pode acontecer a qualquer hora e em qualquer lugar, basta que haja entre os interlocutores um bom livro. Um livro que fale, como no relato citado acima, em que o filósofo Sartre descreve poeticamente um instante privilegiado de sua infância, ao ser presenteado com a leitura em voz alta de sua mãe.

Bons livros falam por si, mas falam mais ainda se suas palavras ecoam com volume e intensidade intencionalmente pronunciadas. Quando isso acontece, ritualiza-se a experiência da leitura e certamente mais coisas se abrem aos ouvidos e mentes já despertos pela palavra. É algo dessa natureza o que nos contam os relatos de algumas professoras que participam do Projeto Magia de Ler:

“É neste momento que procuro despertar nos meus alunos o gosto e o prazer de ler e desenvolver uma competência leitora. Ao ouvir, os alunos aprendem, percebem as informações que estão sendo lidas, além de poderem compartilhar o momento da leitura com o grupo (...) Vale ressaltar que é necessário fazer uma leitura prévia do texto a ser lido, observar a qualidade e o assunto da história, assim como as ilustrações. O comportamento dos alunos como ouvintes faz parte de um processo de construção. Requer tempo.”  [Luciane Ribeiro Andrade, professora do 2o ano da E. M. Noronha Santos]

“Todos os artifícios a contribuir na aprendizagem são sempre válidos... Um deles, de muita importância, é a leitura em voz alta. Isso porque, tudo o que sugere uma outra ideia promove incremento do conhecimento. Por isso, a leitura interpretativa, elevando a entonação, ajuda na construção de múltiplas visões acerca do assunto.” [Luciana Antonia F. Marinho, professora do 4o ano da E. M. Nossa Senhora da Penha]

“Sabemos da importância da leitura em voz alta com a devida entonação, realizada pelo professor. Traduz uma prática que vai influenciar, motivar, incentivar, envolvendo os alunos no mundo imaginário, favorecendo a apreciação de textos literários, contribuindo assim com a formação de novos leitores literários.” [Sebastiana Almeida Moreira, professora do 2o ano da E.M. Júlia Cortines]

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