Páginas

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

histórias de amor aos livros


O vídeo indicado no link acima, “A menina que odiava os livros”, é uma animação canadense baseada na obra com mesmo título, de Manjusha Pawagi, publicado pela Ed. Melhoramentos. Se você começou a ler este post antes de assistir ao vídeo ou ler o livro, não pretendemos estragar a surpresa contando-lhe o final... A dica é que o título engana o leitor e o que se vê, na verdade, é uma história de amor aos livros. Um amor daqueles difíceis de conquistar. Do tipo que insiste em dizer não, louco para dizer sim e cuja negação só faz do encontro algo mais intenso ainda. A literatura está cheia de histórias de amor aos livros – reais e fictícias. Clarice Lispector nos presenteia com uma delas no conto A felicidade Clandestina ao narrar o maravilhoso encontro entre uma menina e seu objeto de desejo: o livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante”, é a frase escolhida pela autora para descrever o momento da posse do livro e finalizar o conto. Melhor do que falar sobre estas declarações de amor aos livros, é dar voz aos apaixonados e escutar, com ouvidos e coração bem abertos, suas histórias pessoais, tão universais...

“Lembro de uma coleção de contos de fadas de capa dura e uma ilustração mágica na capa, daquelas que o desenho muda de acordo com a posição que você olha. A capa era preta e a lombada vermelha, além da ilustração mutante. Era uma coleção com mais de 10 livros com certeza, porque eu adorava ler a coleção propriamente, não só a história: lia o primeiro, depois o segundo, depois o terceiro... Achava minha coleção chique e importante pelo tratamento dado ao portador, além de devorá-los todos várias vezes... Minha leitura era feita na mesa da cozinha na companhia de minha mãe enquanto ela cozinhava. Tínhamos 2 coleções de livro vendidas na porta: a luxuosa de contos de fadas e uma outra em que havia texturas diferentes coladas a cada página e cheirinho, se raspássemos algumas colagens da ilustração. O interessante é que a coleção de contos de fadas era minha preferida, mesmo com o texto longo com poucas ilustrações, que poderia intimidar a criança que eu era diante dos gracejos oferecidos pela outra, cujo texto de pequenas frases sobre animais poderia parecer mais atraente. Mas não, nem me envolvia muito com aqueles livros mais de brincadeira do que livros mesmo. Sou leitora voraz até hoje e por toda a minha vida. Descobri a leitura por meu gosto pessoal em ler. Mas os livros sempre me foram rodeados de afeto e atenção. Ler para mim sempre foi envolto em um ato de carinho: ao lado do cheiro da comida de minha amorosa mãe; na aventura da descoberta do conhecimento compartilhada nas escadas do sebo Sr. Brandão, na adolescência. Isso é o que mais busco preservar na minha partilha da leitura com meus alunos e com minhas professoras pela vida de educadora afora: as histórias das histórias.”
Ana Claudia Rocha, educadora há 25 anos, leitora há 40.

“Quando eu tinha uns seis anos de idade, chegou o grande dia para mim: papai esvaziou um cantinho de uma de suas estantes e permitiu que eu transferisse meus livros para lá. Para ser mais preciso, ele me deu uns trinta centímetros, mais ou menos a quarta parte da prateleira mais baixa. Abracei meus livros, que até então viviam deitados sobre o tapete, ao lado da minha cama, os carreguei até a estante de papai e os arrumei em pé, as costas voltadas para o mundo exterior, e a frente, para a parede. Aquele foi um ritual de iniciação, o verdadeiro rito de passagem para a idade adulta: o indivíduo cujos livros ficam de pé já é um homem, não mais uma criança. Agora eu era como meu pai. Meus livros estavam de pé.”
Amós Oz, escritor israelense, em seu livro autobiográfico De amor e trevas, Companhia das Letras, 2005.

“Existe um certo tipo de criança que acorda de um livro como de um sono profundo, nadando através de camadas de consciência em direção a uma realidade que parece menos real do que o estado de sonho que ficou para trás. Eu fui esse tipo de criança. Depois, na adolescência, influenciada por Hardy, não conseguia me apaixonar por um garoto sem classificá-lo como Damon ou Clym. Mais tarde ainda, dormia com meu marido numa cama cheia de livros, esperando que a chegada de nosso primeiro filho se parecesse com a cena de nascimento de Kitty em Ana Karenina. (…) Ao longo desses anos, meu filho nasceu, minha filha aprendeu a ler, meu marido e eu completamos quarenta anos, minha mãe fez oitenta e meu pai noventa anos. Nossos livros, entretanto – mesmo aqueles publicados muito antes de termos nascido – permaneceram sem idade. Eles registraram a passagem do tempo real, e porque nos lembravam de todas as ocasiões em que tinham sido lidos e relidos, também refletiram a passagem das décadas precedentes. Os livros escreveram a história da nossa vida e, à medida que se acumularam nas estantes (e no parapeito das janelas, e debaixo do sofá, e em cima da geladeira), tornaram-se capítulos dela. Como poderia ser diferente?”
Anne Fadiman, jornalista e escritora americana, em Ex-Libris – Confissões de uma leitora comum, Jorge Zahar Editora, 2002.

Nenhum comentário:

Postar um comentário