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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

conversas literárias

Para além da referência irônica ao uso de textos sem sentido no processo de alfabetização, a tirinha da Mafalda nos aponta o constante esforço que as crianças costumam fazer para encontrar significado em suas aprendizagens e espaço para compartilhá-las com outras pessoas.

Sabemos que a interação é um ingrediente privilegiado na construção de saberes: falando e ouvindo o outro, elaboramos e reelaboramos conhecimentos. Para que essa troca de fato nos alimente, é preciso que o recheio da conversa seja substancial e saboroso. As conversas literárias, que surgem da literatura de qualidade, podem possibilitar uma degustação muito prazerosa!

Em agosto de 2010, os professores da rede municipal de Niterói realizaram uma conversa apreciativa com seus alunos a partir da leitura do conto “Sal no café? Vinagre no leite? Pimenta na manteiga?”, do livro Novas Aventuras de Pedro Malasartes (Hernani Donato, Ed. Melhoramentos), conforme proposta de atividade enviada no segundo kit reflexivo pela equipe do Projeto Magia de Ler. Os relatos dos professores mostram que muitos puderam nutrir-se dessas conversas com seus alunos e “surpreender-se com a maturidade das respostas”, como registrou a professora do 2o ano da E.M. Ernani Moreira Franco, Maria Julião dos Reis: “foi maravilhoso vê-los discordando, lançando seu ponto de vista e defendendo suas ideias”.

A transcrição a seguir, feita pela professora Fernanda de Araújo Frambach, dos 2o e 4o anos da E.M. Professora Lúcia Maria Silveira Rocha, é uma pequena amostra do potencial das conversas literárias:

“O confronto de ideias surgiu principalmente em dois momentos, relacionados a duas perguntas. A primeira diz respeito ao questionamento Por que Pedro Malasartes é chamado de herói nesse trecho?. Seguiu-se, então, uma conversa interessante:
Profa.: Por que Pedro seria um herói?
Aluno: Porque ele tirou muitas pessoas de problemas.
Aluno: Porque ele ajudou muitas pessoas a saírem de situações difíceis.
Aluno: Porque ele é inteligente e esperto.
Aluno: É! Ele resolve os problemas por causa da inteligência.
Aluno: E porque ele fez justiça.
Profa.: Mas, o que é ser um herói? Qual o objetivo principal de um herói?
Aluno: Ele vê uma situação difícil e vê que, se ele não ajudar, ninguém mais vai...
Aluno: É alguém sempre amigo e esperto que a gente quer ser igual.
Aluno: E ele não ganha recompensa pelo que faz.
Profa. E qual era o objetivo de Pedro Malasartes nesse caso?
Aluno: Ele queria ajudar ele mesmo!
Aluno: Ele não queria fazer justiça nada, ele queria era se dar bem!
Aluno: Mas ele ajudou a achar o culpado...
Aluno: É, mas ele mentiu e herói não mente.
Profa.: Afinal de contas, ele é um herói ou não?
Aluno: Ele é e não é...
Aluno: É, porque ele ajuda, mas às vezes atrapalha...
Aluno: E às vezes ele só pensa nele.
Aluno: Então, às vezes ele é herói e às vezes é vilão!”

No caso dessa atividade específica, uniram-se ingredientes fundamentais: um texto literário cheio de humor, argumentação inteligente e recursos lingüísticos sofisticados; um planejamento claro e detalhado, com foco na apreciação literária do texto e a mediação de um professor envolvido, preparado e disposto a ouvir e interagir com seus alunos. O resultado, é puro fermento!

Um comentário:

  1. Perfeito!! Uma mistura maravilhosa, esse fermento fará crescer ótimos debates, ótimas refexões...ótimos críticos literários.
    Já trabalhei com textos de "Pedro Malasartes" e o comparei a outras figuras picarescas como ele, foi um trabalho bem gostoso e recompensador.
    Grande abraço,
    Patrícia.

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